HISTÓRIA DE POJUCA
POJUCA: IDENTIDADE, TERRITORIALIDADE E ORGANIZAÇÃO SOCIAL
A OCUPAÇÃO DA TERRA
O espaço geográfico que hoje compreende a circunscrição limítrofe do município de Pojuca foi ocupado, antes da colonização portuguesa, pelos nativos do chamado tronco linguístico tupi, notadamente pela etnia tupinambá. Embora não se tenha encontrado, até agora, registro de que na cidade ou nos seus arredores tenha existido aldeamento de alguma tribo indígena, é certo que esse era um território por onde os tupinambás transitavam, caçando, coletando, pescando ou trafegando pelos rios. Ademais, os rios que cortam o território foram nomeados pelos tupinambás em sua língua nativa. O Rio Catu (lugar bom de pesca), o Rio Una (rio escuro, negro), o Rio Jacuípe (rio do jacu) e o Rio Pojuca (lugar alagado, apodrecido). Esse território vai sendo, aos poucos, tomado pelos colonizadores portugueses a partir do século XVI, especialmente depois instalação do sistema conhecido como Capitanias Hereditárias. Assim, a partir 1534 o fidalgo português Francisco Pereira Coutinho recebe a doação da Capitania da Baia de Todos os Santos e, não sem muita luta e resistência dos nativos, vai ocupando a região, contudo, a parte mais ao norte do Recôncavo Baiano, onde está Pojuca hoje, continuaria protegida desta invasão até o século XVII, servindo de refúgio aos nativos que eram agredidos e acuados tanto a partir da Baía de Todos os Santos, ao sul, quanto da Enseada de Tatuapara, a leste.
Com o fracasso das Capitanias Hereditárias, os colonizadores resolveram implantar o sistema de Governos Gerais e, em 1549 desembarca na Baía de Todos os Santos o primeiro governador-geral, Tomé de Sousa, que traz consigo Garcia de Souza D’Ávila, a quem o próprio governador vai doar uma extensa faixa de terra, cuja sede vai ser na região de Tatuapara onde, em 1551, foi erguido o Castelo da Torre. A partir daí, as terras onde hoje está Pojuca passam a compor o domínio de D’Ávila e a Enseada de Tatuapara passa a ser um porto controlado por ele, onde as mercadorias para o abastecimento do castelo desembarcavam e os produtos extraídos desta parte da colônia eram levados para Europa ou para outras partes do Brasil. A partir do século XVII, há um avanço da monocultura da cana e as terras mais ao norte da Baia de Todos os Santos vão sendo ocupadas, é nesse momento que os primeiros colonos portugueses vão chegar ao território onde hoje esta Pojuca. Como nos indica o historiador Carlos Ott, os povoadores desciam ao longo dos “rios Joanes, Jacuípe e Pojuca para povoar essas terras” (OTT, 1996, p. 03) e, aos poucos os pequenos proprietários vão adquirindo o título de posse das terras das mãos dos D’Avila e, aqui construído engenhos, plantando cana e criando gado. Em 1757, numa carta do Reverendo Filipe Barbosa da Cunha dirigida à Corte Portuguesa descreve a região, dizia o religioso:
“Há nesta freguesia oito engenhos de fazer açúcar, a saber: Laranjeiras, da Pojuca, do Retiro, de Água Boa, Pimentel, Laranjeiras Nova, Papussu, Terra Nova e das Religiosas de Nossa Senhora do Carmo. (...) De 62 sítios {que} compõem essa freguesia, que não chega a ter nome de lugar, nem povoação, pois o maior deles não passa de oito vizinhos que vivem de plantar mandioca para fazer farinha”. (CUNHA, 1913, p. 2007)
Em 1798, a matriarca de uma das primeiras famílias que passaram a ocupar esse território, Dona Bernarda D’Asumpção Freire de Carvalho, pede a confirmação de posse da propriedade que seu falecido marido Manoel José de Carvalho comprara das mãos de Martinho de Souza e Albuquerque, um dos descendentes dos D’Ávila. A família Freire de Carvalho foi proprietária do primeiro engenho que se instalou aqui, o Engenho Pojuca (ou Engenho Caboclo), mencionado pelo Padre Felipe Barbosa da Cunha. Junto com a cana e os engenhos, também foram sendo trazidos os africanos para o trabalho cativo nessas terras.
O POVO E O TERRITÓRIO
Os negros escravizados compunham o grosso da mão de obra que fazia movimentar a monocultura canaveira deste território desde os últimos anos do século XVII até o as últimas décadas do XIX. Segundo o historiador Stuart Schwartz, já no ano de 1739, o Engenho Pojuca possuía 67 pessoas escravizadas, sendo 45 homens e 22 mulheres (SCHWARTZ, 1988, p. 87). Isso sem falar nos outros engenhos e sítios da região. O contingente de africanos trazidos para o trabalho cativo neste território foi grande, por isso a cultura e as feições do pojucano típico são profundamente marcadas pela religiosidade, o batuque, a cor e o DNA africano. Segundo o censo de 2010 do IBGE, 84,1% da população do município se autodeclarou preto ou pardo. O professor João Batista, em seu Livro Pojuca: o Arraial da Passagem destaca:
Os africanos escravizados que por aqui viveram trouxeram sua contribuição na culinária, na dança, na música etc. Com o fim da escravidão oficial, os descendentes destes povos vindos da África já estavam com suas raízes fincadas aqui e formavam a maior parte da população. Hoje é possível perceber de maneira muito contundente que Pojuca é uma cidade de maioria negra e com tradições fortes das religiões de matrizes africanas em todos os aspectos da cultura local. Mesmo com a repressão oficial, explícita ou velada, as práticas religiosas aconteciam em terreiros e moradias. E, apesar de toda negação de sua fé e história, os negros produziram e produzem uma marca indelével na cultura regional. (BATISTA, 2018, pp. 99-100)
Assim, não há como negar que Pojuca é uma cidade marcada pela multiplicidade étnica e pela diversidade cultural que estes povos acabaram por produzir ao longo do tempo neste território. No coração do povo e nos sulcos da terra onde hoje está Pojuca correm o sangue e o suor dos grupos humanos que aqui deixaram suas marcas. A ocupação violenta empreendida pelos colonizadores produziram a as feridas do trabalho cativo e a expulsão vil dos nativos e é esse legado de opressão e resistência que permeia as entranhas desta cidade no tempo presente.
Antes da chegada dos portugueses e dos africanos, trazidos para o trabalho cativo nestas terras, por aqui vivam, como dissemos, os tupinambás. Esse grupo étnico estabeleceu relações, ora amistosa e ora conflituosa com os colonizadores desde o início da chagada dos europeus. Fixados na foz do Rio Pojuca, os tupinambás controlavam, a partir do morro Tatuapara, a enseada que ficava à frente deste morro e passou a ser muito frequentada por embarcações portuguesas e de outras nacionalidades (piratas) interessadas em explorar este território. Gabriel Soares de Souza, em seu Tratado Descritivo do Brasil, fez referência a esta enseada, dizendo: “Tatuapara é uma enseada, onde se mete um riacho deste nome, no qual entram caravelões da costa com preamar nesta enseada têm os navios muito boa abrigada e surgidouro de que se aproveitam os que andam pela costa”. (SOUSA, 1879. p. 37) Esse ancoradouro era administrado pelos tupinambás que, a partir dali, faziam escambo com os navegantes europeus que passavam pela costa brasileira. Depois, com tomada do território por Garcia D'Ávila, os nativos continuaram habitando a região, mas perderam o controle do ancoradouro e as atividades passaram a ser administradas pelo bandeirante, contudo, o escambo continua a acontecer, só que agora entre os tupinambás e o líder do Castelo da Torre. Aos poucos, com introdução da atividade pecuária na região da foz do Pojuca, os nativos vão sendo empurrados mais para o interior do território, inclusive, na direção de onde hoje é Pojuca. Sobre esse aspecto, José Alípio Gulart vai dizer que:
(…) o gado era uma invasão. Um Átila perseverante, tardo e inevitável, por isso invencível. Não havia pará-lo. O tupinambá da costa, o caeté ribeirinho, o cariri da caatinga recuavam. Os bois, remoendo, sonolentos, progrediam. Conquistavam tudo. (GOULART, 1965. p. 67)
À medida que o recuo se acentua, o território onde hoje está Pojuca passa a ser, ao longo do século XVI, um lugar de refúgio e resistência dos nativos, seja daqueles que sofriam com a perseguição dos conquistadores vindos da região de Tatuapara (Praia do Forte), a leste ou aqueles que recuavam à medida que os arredores da Baia de Todos os Santos, ao sul, estava sendo ocupada pelos engenhos e fazendas de cana. No século XVII, a pressão pela ocupação do território continua a crescer e os produtores de cana chegam cada vez mais perto. A partir de 1681, com a lei que obrigava a construção de novos engenhos a uma distância de 1500 braças dos já existentes, os produtores da região de São Francisco do Conde vão avançando em direção às terras de massapê mais ao norte e chegam ao território onde hoje é Pojuca. Como nos mostra o historiador catuense Marcelo Oliveira ao dizer que com:
(…) o crescimento da economia canavieira, a sucessiva redistribuição dos engenhos mais próximos de Salvador e a busca por terras férteis podem ter impulsionado os proprietários da região de São Francisco do Conde a expandir as plantações para o Norte, em direção aos rios Catu e Pojuca. (OLIVEIRA, 2015. p 29)
Com a chegada dos colonizadores, a ocupação efetiva da terra com a construção dos engenhos e a abertura de fazendas os nativos que restavam na região vão sendo expulsos ou exterminados. O território vai sendo ocupado e povoado por colonos portugueses e africanos escravizados a partir da virada do século XVII para o XVIII. Sobre isso, o professor João Batista nos diz:
Essa população chegou aqui da seguinte forma: uma parte trazida como escravos para os engenhos, outra atraída para trabalhar na fabricação de açúcar e outra ainda como donatária das terras férteis de massapê. Ao redor dos engenhos, com o passar do tempo, a terra também vai sendo ocupada por sitiantes e pequenos proprietários que produzem fumo e mandioca. (BATISTA, 2018, pp. 11-12)
A FORMAÇÃO DO ARRAIAL
Ao longo dos tempos as pessoas construíram grandes aglomerados urbanos próximos aos rios. Foi assim com o Cairo, capital do Egito que nasceu às margens do grande Rio Nilo e Paris, capital da França, que tem seu coração atravessado pelo Rio Sena. Isto sem falar em Londres, banhada pelo majestoso Rio Tâmisa e a nossa querida São Paulo, banhada pelos rios Tietê e Pinheiros. Assim também Pojuca nasce na margem norte do rio que lhe dá nome: o Rio Pojuca.
Este rio é um curso d'água que nasce em Santa Bárbara- Ba, passa pelos municípios de Coração de Maria, Terra Nova, Pojuca Mata de São João e deságua no Oceano Atlântico, na praia do Forte (Tatuapara). Com o passar do tempo, esse rio acabou por emprestar seu nome à cidade. Os índios tupinambás chamavam esse rio em sua língua nativa de “yapoyuca”. Segundo o livro Pojuca: O Arraial da Passagem, citando o grande geógrafo baiano Teodoro Sampaio, esse termo:
é formado pela junção de duas outras palavras do tupi: Yapó, que significa água transbordante, cheia ou alagadiço e Yuca que significa brejo, pântano ou lugar apodrecido. Portanto, juntando yapo+yuca, vamos ter uma palavra cuja fonética é muito semelhante à “pojuca”. (…)
Para Sampaio, o povo tupinambá que viveu nessa região desde muito antes da chegada dos portugueses teria batizado o caudaloso curso d’água em sua língua e, depois, com as derivações, supressões e corrupções que a palavra sofreu ao longo do tempo, chegou-se a expressão atual, “pojuca” que quer dizer: o lugar alagado, o lugar pantanoso, lugar apodrecido. É importante ressaltar que os indígenas ao usar aquela expressão, “yapoyuca”, estavam se referido ao rio, não à cidade ou ao lugarejo. Muito antes de surgir o povoamento, o rio já existia e o termo yapoyuca = Pojuca, portanto, refere-se às águas do rio e às terras alagadas por onde este rio passava. (BATISTA, 2018, pp. 14-15)
O arraial que surgiu na margem norte do Pojuca, há cerca de 35 quilômetros de sua foz, ocorreu, provavelmente, no decorrer do século XVIII, à medida que os tropeiros que subiam do ancoradouro de Tatuapara para o sertão nordestino, com suas mulas carregadas de mercadorias, depois de um enfadonho dia de viagem paravam para descansar e abastecer os engenhos e as fazendas situadas neste território onde hoje está Pojuca. As terras onde esses caixeiros viajantes paravam, desde o início do século XVIII, pertenciam a Manoel José de Carvalho, que era proprietário do Engenho Pojuca e senhor de escravos. Ao redor deste engenho havia extensos canaviais, contudo, a baixada mais próxima ao rio não servia para a plantação de cana por que era uma área que sofria com constantes alagamentos, ao sabor do regime de águas do rio. Como o ponto de parada dos viajantes acabou por se transformar em uma feira, onde os fazendeiros, sitiantes e trabalhadores forros vinham comprar charque, peixe salgado, condimentos, vinho, tecido, louças, ferramentas e toda sorte de produto que era desembarcado em Tatuapara, aos poucos vão se erguendo casas comerciais, casas de morada e botecos. Esse povoamento foi crescendo ao longo do tempo. As primeiras casas vão sendo erguidas pelas pessoas simples, no lugar onde acontecia a feirinha dos tropeiros. Como aquelas terras não servem aos propósitos dos seus donos, eles vão permitindo a ocupação e, o lugar da travessia vai se constituindo em uma pequena praça que José Lemos de Santana (SANT’ANA, sd. p.342) vai chamar Largo da Passagem. Esse largo é o contro do povoado que segue se expandindo. O povo que forma o arraial é um povo simples, que depende da benevolência dos donos das terras para permanecer e dos negócios que fazem com eles para sobreviver. Os africanos escravizados que conquistavam a liberdade, como não tinham terra, vinham viver no povoado, os comerciantes que faziam a rota de Tatuapara para o sertão, acabam casando e passando a viver no povoado. Os pequenos sitiantes, à medida que o arraial vai crescendo, se sentem atraídos a vir morar no local onde há feira, casas comerciais e maior movimento urbano.
O povo do arraial da Passagem tem sua vida religiosa movimentada, em grande parte, pelo catolicismo popular. Aqui, certamente, já com muitos elementos sincréticos dos cultos africanos. Contudo, a vida sacramental, como batismos, casamentos e missas ou são realizadas nas capelas dos engenhos próximos (Pojuca, Remédios, Central, Engenho Santiago, Engenho Remédios, Engenho Gameleira, Engenho Pindobal ou Engenho Onça)1 ou na capela de Senhora Santana do Catu. Mas, a medida que o arraial vai crescendo, a própria comunidade sente a necessidade de ter a sua igrejinha, o seu local de culto e celebração, é nesse contexto que a comunidade da Passagem ergue uma capelinha de taipa a leste do Largo da Passagem, escolhe um padroeiro e o lugarejo começa a formar uma pequena rua à esquerda e à direita desta capelinha. Esta é a Rua da Passagem, mencionada em documentos da Paróquia de Pojuca. Com o passar do tempo, não se sabe ao certo quando, o arraial da Passagem tem seu nome associado ao rio que lhe deu origem: Pojuca. O memorialista pojucano José Lemos de Sant’Ana, nascido na Pojuca de 1921 escreveu o seguinte relato sobre a formação da vila da Passagem, diz o autor:
Daí nasceu um vilarejo que se chamou de Passagem e para identificá-lo perfeitamente e distingui-lo de outros locais com nome idêntico – Passagem do Rio Pojuca. Estabelecido aí na baixada, na beira do rio, o arraial, pelos favores dos proprietários de terras que não permitiam ocupar os altiplanos próximos, logo floresceu um pequeno comércio. Depois a igrejinha pequenina – oh! Quantas vezes ampliada pela fé e pelo trabalho do povo! – cujo padroeiro escolhido foi o Senhor Bom Jesus. Ora, o Bom Jesus é padroeiro de centenas de paróquias e lugarejos por este Brasil afora: Bom Jesus do Bonfim, da Lapa, dos Aflitos, etc. O nosso seria Bom Jesus da Passagem, que este era o nome do Arraial: Passagem do Rio Pojuca. Espero que ainda hoje conserve, ao menos no largo que vai a ponte da Passagem, o seu antigo nome identificador e histórico, de largo da Passagem. (SANT’ANA, sd. p.p. 340-342)
Com o passar dos anos, o povoamento vai crescendo e se destacando, mas o grande momento de seu desenvolvimento vai ocorrer na segunda metade do século XIX, com a chegada da Estrada de Ferro Bahia/São Francisco no ano de 1860. Em 1862 é inaugurada a estação ferroviária na sede e, depois a estação de Central, em frente ao Engenho pertencente aos Freire de Carvalho e ao aos Saraiva. A chegada da estrada de ferro vai proporcionar uma ligação direta de Pojuca com a capital da província e com Alagoinhas, o que vai favorecer muito o escoamento da produção açucareira e o comércio local que, a partir de então, não mais dependia mais dos tropeiros, pois já era possível comercializar diretamente com Salvador. No ano de 1868, seis anos depois da instalação da estação de trem Pojuca, Santana do Catu que assim como Pojuca, pertenciam a São Francisco do Conde, vai se emancipar e, como isso, o povoado de Pojuca passou a pertencer a nova municipalidade, o que fez com que a estrutura administrativa ficasse bem mais próxima. Em julho de 1877 a estada de ferro possibilitou mais um avanço importante ao povoado: a instalação do entrocamento das linhas de telégrafos. Isso possibilitou a comunicação direta e quase que instantânea do povoado de Pojuca com os grandes centros do Brasil e, inclusive, com a capital do Império: o Rio de Janeiro.
Esse cenário desenhado a partir da chegada da estrada de ferro foi o pano de fundo de uma série de mudanças que aconteceu na economia, na política, na religiosidade e na vida social de Pojuca. Assim, no final do século XIX tivemos a elevação do povoado à categoria de segundo distrito de Catu (1892); o movimento de autonomia religiosa que culminou com a criação da Paróquia do Bom Jesus da Passagem (1904) e do movimento que levou à emancipação política de Pojuca e criação do município (1913).
DESEMPREGO, EMPOBRECIMENTO E INDUSTRIALIZAÇÃO
Com o fim da escravidão oficial e a crise internacional do açúcar ocorrida na virada do século XIX para o século XX, o distrito de Pojuca passou por um dos piores momentos de sua história. Sem engenhos para moagem, os produtores que viviam na região não tinham para onde escoar sua produção de cana, os empregados assalariados dos engenhos perderam seus empregos, o dinheiro parou de circular e, nesse cenário o pequeno comércio local também definhou. O fim do trabalho escravo fez com que os cativos, agora livres, engrossassem o já inflado cordão de desempregados e a população local sofreu uma significativa queda, que só foi se recuperar depois da segunda metade do século XX, com a chegada da Petrobras. Em 1888, Durval de Aguiar, escreveu, a respeito de Pojuca e fez a seguinte constatação: “O importante Arraial de Pojuca, junto ao rio do mesmo nome, possui 4.197 habitantes, que é em tudo superior e mais aprazível do que a Vila”(AGUIAR, 1979, p. 93.). Ou seja, antes da crise da virada daquele século, Pojuca ostentava um número significativo de habitantes, mas quando olhamos os censos seguintes, notamos como esse número ficou estagnado até os anos de 1950, quando o IBGE registrou apenas 6.919 habitantes em todo o município (BRITO, 2008/ IBGE). Isso nos leva a constatar que no intercurso de mais de 60 anos a população de Pojuca quase não cresceu. Uma consequência das condições econômicas desfavoráveis ocorrida na virada do século XIX para o XX, que impactou no crescimento da cidade. Segundo o Professor João Batista,
O impacto social da crise foi tal que o subdelegado de Pojuca, em 1889, mandou um comunicado para o Rio de Janeiro, capital federal, pedindo ajuda para as pessoas que perambulavam pela cidade, desempregadas, passando fome: “Aquele Distrito e seus arrabaldes acham-se em mísero estado de indigência, vendo-se diariamente vagarem de porta em porta, esmolando o pão da caridade pública”, dizia o telegrama. (BATISTA, 2018, p. 29)
É certo que naquele momento, as pessoas que estavam nos engenhos na condição de escravos e, depois, de livres, não tendo para onde ir, começavam a ocupar as áreas periféricas da cidade onde viviam da mendicância ou do subemprego. Os que estavam em situações mais suaves, iam abandonando a cidade para buscar condições de vida melhor em outros lugares. Foi o que aconteceu com a família do primeiro prefeito de Pojuca, Carlos Pinto, cuja família imigrou para Salvador, o mesmo acontecendo com a família do segundo prefeito, Raymundo de Sant’Ana. Os pretos e pobres iam ficando e tentando sobreviver como caixeiros ou carregadores das mercearias, padarias, bodegas, alambiques ou na área rural, na produção de farinha de mandioca e nas fazendas de gado. Às mulheres cabia o trabalho doméstico nas casas dos mais abastados e o ofício de tratadeiras de fato e lavadeiras. As oligarquias agrárias, ligadas ao leite e à farinha comandavam a cidade e as raízes políticas fincadas naquela época perduram até hoje. Sobre isso Batista nos diz:
As oligarquias agrárias ligadas ao leite e a carne comandam a política local na primeira metade do século XX. O censo do Almanak Laemmert, de 1925, já dá destaque aos criadores de Pojuca. Um desses criadores é João Alfredo Leite, que se tornaria prefeito de Pojuca entre 1938 e 1939. Outro nome de destaque é o do Capitão Pedro Leal Cardoso, cuja família ainda hoje exerce influência política no município, dois dos seus descendentes diretos foram vice-prefeitos da cidade: Antônio Leal Cardoso, conhecido com Biriba (2004-2006) e Adriano dos Santos Cardoso, o Adriano de Briba (2016-2020). (BATISTA, 2018, p. 90)
A partir de 1950, vamos ter uma guinada na economia local com a descoberta do Petróleo, a chegada do Conselho Nacional do Petróleo e, em 1953, da Petrobras. As atividades ligadas à produção petrolífera vão gerar muitos empregos na cidade. Como essas atividades absorvem mão de obra de baixa qualificação, muitos pobres e pretos passaram a trabalhar na Petrobras e nas empresas que a circundava. Isso favoreceu o acesso à renda através do trabalho para muitas famílias da cidade e atraiu muitos trabalhadores de outras regiões para Pojuca. De fato, a população que era de 6.919 habitantes em 1950 saltou para 22.563 em 1991, ou seja, triplicou em apenas 40 anos. Depois das companhias ligadas a exploração do petróleo, instalou-se aqui também a FERBASA, que veio a se tornar uma gigante na área da siderurgia. Isso fez de Pojuca, na segunda metade do século XX, uma cidade industrial, todavia e a despeito do ingresso de alguns pretos e pobres na atividade industrial e mineradora, a maioria da população continuou pobre e espremida nos bairros mais periféricos de Pojuca.
REFERÊNCIAS
AGUIAR, Durval Vieira de. Descrições práticas da província da Bahia: com declarações de todas as distâncias intermediárias das cidades, vilas e povoações. 2ª ed. Rio de Janeiro: Cátedra; Brasília: INL, 1979. (1ª Edição Tipografia do "Diário da Bahia". Salvador, BA,1888).
Almanak Laemmert. Rio de Janeiro, edição 065 de 1808.
BATISTA, João. Pojuca: O Arraial da Passagem. Salvador: EGBA, 2018.
BRITO, Cristóvão. A inserção da Petrobras no Recôncavo Baiano. EDUFBA. Salvador: 2008.
CUNHA, Felipe Barbosa da. Notícia sobre a Freguesia de São Sebastião das Cabeceiras do Passé, do Arcebispado da Bahia (1757). In.: ANNAIS da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, vol. 31. In.: Officinas Graphicas da Bibliotheca Nacional: Rio De Janeiro, 1913.
GOULART, José Alípio. O Brasil do Boi e do Couro. 2 vols. Rio de Janeiro: GRD, 1965.
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, Censo demográfico 2010. Disponível em: http://cidades.ibge.gov.br/xtras/temas.php?lang=&codmun=292520&idtema=91&search=bahia|pojuca|censo-demografico-2010:-resultados-da-amostra-religiao-. Acesso em 04/09/2020.
OTT, Carlos. Povoamento do Recôncavo pelos Engenhos. 1536 – 1888, v. II. Ed. Bigraf. Salvador: 1996.
SANT’ANA, José Lemos de. Banbanga: Memórias, Volume I, Vozes, 1998.
SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado Descriptivo do Brasil em 1587. Typographia de Joxo Ignaclo da Silva: Rio de Janeiro, 1879.